O objetivo do curso é conhecer os caminhos trilhados por indígenas, quilombolas e afro-diaspóricos para superar as condições que lhes foram impostas pela escravidão e pelo colonialismo, com destaque para os que mobilizam as políticas culturais. Para tanto, o percurso será dedicado à análise do movimento que foi, no campo dos museus e do patrimônio, do silenciamento ao acolhimento das narrativas e pensamentos de populações negras e indígenas, tanto no Brasil quanto em outros contextos, como o belga e o britânico. No caso brasileiro, o curso partirá dos processos que levaram aos registros da Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani (2014) e do Sistema Agrícola Tradicional de Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (2018) como patrimônio imaterial brasileiro, considerando as interações entre agentes e sistemas de conhecimento na construção de ações de salvaguarda. Dos contextos europeus, serão analisados o AfricaMuseum e o Museu Internacional da Escravidão, instituições que trazem ao debate público questões que vão de encontro às condições de cidadania de populações negras, para pensar sobre a relação entre museus, sociedade e passados sensíveis. Estes casos servirão para reflexão sobre as políticas culturais como um caminho para que populações invisibilizadas comuniquem os seus modos de ser, viver e pensar, assim como para que demandem direitos que ainda não lhes são garantidos de fato.
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e cada aula ficará disponível aos alunos durante cinco dias após a realização da mesma. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
Aula 1 – 6.2.2023
O papel da cultura no aprendizado do racismo
Considerando o papel dos museus e das exposições universais no século 19, serão criadas discussões sobre o recurso a esses meios para consolidar, especialmente entre as sociedades europeias, uma noção sobre populações “civilizadas” e “selvagens” para justificar o colonialismo. Essa é a base para abordar a forma como alguns museus brasileiros foram instrumentos de divulgação de uma pseudociência que legitimava o racismo.
Aula 2 – 7.2.2023
Criando as condições para a transformação
Da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Estado Novo à noção de referências culturais, o encontro apresenta uma história das políticas culturais no Brasil, da “identidade nacional” à diversidade cultural. Em seguida, serão discutidos os impactos dos movimentos sociais dos anos 1960 sobre as ciências e a cultura, como a emergência de novas abordagens de temas sensíveis e o surgimento da Nova Museologia, para compreender de que forma foram criadas as condições para que noções arrojadas e integrais de cultura ganhassem espaço entre as décadas de 1970 e 1980.
Aula 3 – 8.2.2023
Cultura e cidadania no Brasil
Apresentação dos dispositivos da Constituição de 1988 voltados para a cultura, com ênfase para a sua articulação com os “grupos formadores da sociedade brasileira”, como as populações negra e indígena. Discussão sobre as circunstâncias que levaram à construção do texto e os esforços para colocá-lo em prática nas décadas seguintes, com ênfase nas políticas voltadas para o patrimônio imaterial. Abordagem sobre a relação entre cultura e obtenção de direitos territoriais.
Aula 4 – 9.2.2023
Propostas indígenas e quilombolas por meio do patrimônio imaterial
Análise da aplicação da política do patrimônio imaterial para indígenas e quilombolas: os casos da patrimonialização da Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani e do Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira e as narrativas e iniciativas que daí surgiram, como o cinema guarani mbyá e as ações de salvaguarda dos saberes associados à roça em meio à Mata Atlântica. Discussão sobre importância da visibilidade dos modos de pensar e viver desses povos para o enfrentamento de questões que nos afligem. A urgência da defesa de seus territórios e de seus projetos de sociedade.
Aula 5 – 10.2.2023
Descolonização, memória e reparação: o urgente debate sobre as persistências da escravidão e do colonialismo
Reflexão sobre as persistências da escravidão e do colonialismo e sobre a função que poderia ser desempenhada pela arte, pela cultura e pelos museus no presente. A partir do tripé descolonização, memória e reparação, discussão sobre políticas públicas voltadas para o enfrentamento dessas persistências, desde a promoção da ciência e da cultura até o acolhimento de demandas por reparação e restituição. Análise de práticas museológicas e de mobilizações que trazem para o espaço público passados difíceis de serem enfrentados. Proposição de uma História Pública do Colonialismo e da Escravidão que seja capaz de dar conta das diversas vertentes desse debate.
David Ribeiro é historiador, mestre e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), com tese premiada na categoria Inclusão social e cultural no Prêmio Tese Destaque USP (2022), atua como Assistente curatorial de Mediação e Programas Públicos no MASP. Fez estágio de pesquisa na Biblioteca Nacional de Portugal sobre o organizador da exposição do Quarto Centenário de São Paulo, Jaime Cortesão. No AfricaMuseum (Tervuren, Bélgica) e no Museu Internacional da Escravidão (Liverpool, Reino Unido), trabalhou sobre a musealização do colonialismo e da escravidão e sobre a relação entre museus e sociedade. Foi professor da rede municipal de São Paulo e educador do Museu Afro Brasil. Foi também curador da exposição Joseca Yanomami: Nossa Terra-Floresta (MASP, 2022) e é autor de “São Paulo, capital geográfica do Brasil”: a exposição do IV Centenário de São Paulo e a formação do território brasileiro na escrita histórica de Jaime Cortesão (2018).