Com mais de 120 anos e 2.800 metros de extensão, a Avenida Paulista constitui um dos principais marcos da cidade de São Paulo. A pluralidade de ocupações e públicos e as transformações de seus espaços merecem ser discutidas sob os mais diversos pontos de vista: local de passagem e ligação entre a periferia e o centro da cidade; polo cultural e turístico; complexo empresarial e comercial; ponto de encontro de culturas urbanas e local de concentração de protestos. O seminário com duração de um dia pretende não apenas refletir sobre as histórias, a paisagem e a arquitetura da Avenida Paulista, mas também levantar alguns temas importantes de seu cotidiano, como as manifestações políticas; o direito à cidade; a população em situação de rua; a gentrificação; as questões de gênero e a sexualidade (do Parque Trianon à Parada do Orgulho LGBT) e intervenções artísticas. Para o debate, foram convidados arquitetos, historiadores, engenheiros, antropólogos e artistas. Dessa forma, enfatiza-se uma visão multidisciplinar cujo objetivo é abordar as dimensões sociais, econômicas e coletivas da avenida e seu entorno, os usos de seus espaços e as possíveis formas de existência na cidade. O seminário antecede os preparativos para a exposição que o MASP realizará em fevereiro de 2017, ano em que completa 70 anos, intitulada Avenida Paulista, tomando a avenida como eixo central da mostra.
Organização: Adriano Pedrosa, André Mesquita, Luiza Proença e Tomás Toledo
Programa
Manhã
9h-10h: credenciamento
10h-10h30: Introdução
10h30-12h30
Paulo César Garcez Marins - A Avenida Paulista como espaço de afirmação das elites imigrantes de São Paulo
Jamais marcada pela presença preponderante dos “barões do café”, como recorrentemente se diz, a Avenida Paulista foi o local privilegiado pelos imigrantes para a construção de suas residências, tendo sido palco de afirmação das novas fortunas a partir de sua condição estrangeira. A especificidade de sua paisagem arquitetônica, cujos palacetes evocavam a origem de seus proprietários, foi combatida por críticos e literatos que criticavam o apelo historicista, já em sua época áurea. Tal desprezo é uma das bases da mentalidade condenatória que acabou por restringir a memória da existência dessas residências apenas a fotografias, que documentam o passado da avenida encerrado nas demolições massivas das décadas de 1980 e 1990.
Renato Cymbalista - Um lugar de sucessivas modernidades
Visões de futuro e de modernidade são expressas pela Avenida Paulista: a presença de infraestrutura e ajardinamento antes mesmo da ocupação; o paisagismo do Parque Trianon de inspiração inglesa e o belvedere no início do século 20; o túnel e o Mirante 9 de Julho remetendo a um imaginário de velocidade e à linguagem art deco no final da década de 1930; a verticalização modernista e pós-moderna; o projeto de identidade visual da década de 1970; a instalação de equipamentos culturais e do mecenato empresarial. Nos dias atuais, a Avenida Paulista é também palco de iniciativas – e de embates – relacionadas às visões de futuro da cidade, com projetos como o Museu da Diversidade, a pedestrianização e a ciclovia. A apresentação problematiza as mudanças nas ideias de progresso e de futuro que vêm se instalando – e se estranhando – na avenida há mais de um século.
Marta Bogéa - Travessias e passagens
Eleita pela população e oficializada pela Câmara Municipal de São Paulo como símbolo da cidade em 1990, a Avenida Paulista permite muitas narrativas. Suas significativas transformações ocorrem tanto em plano material quanto nos modos de estar lá. Vale lembrar de suas mais distintas feições: a avenida dos casarões e do corso e a atual avenida ocupada por “toda gente” aos domingos. Ela será aqui abordada pela rica variedade com que a podemos atravessar, não apenas como espaços arquitetônicos e urbanos, mas sobretudo no modo como através desses espaços podemos ler as paisagens humanas que insuflam esse peculiar lugar. Faremos a partir de seu significativo e precioso “intervalo” – o Vão Livre do MASP –, janela para outra paisagem, pausa no percurso que se transforma em passagem.
Tarde
14h-16h
Lúcio Gregori - A disputa de um espaço-símbolo
Desde 1891, a Avenida Paulista tem sido espaço-símbolo da pujança e do poder de São Paulo, ou melhor, de seus ricos e poderosos, sejam fazendeiros, sejam negociantes de então ou bancos e corporações, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e escritórios de multinacionais de hoje. Ao longo do tempo, a avenida passou a ser disputada por outras forças como movimentos sociais e sindicatos. Em 2011 e 2013, o Movimento Passe Livre (MPL) ocupou a avenida. Em seguida, outros espaços foram alvo de suas manifestações, em vista das sequelas nesse período e da interdição para a ocupação na avenida. As “Jornadas de Junho”, como ficaram conhecidas, mudaram o padrão e a disputa na Avenida Paulista. Se a sociedade se democratiza e se rejuvenesce em suas manifestações, propicia, também, o aparecimento de novos espaços-símbolo.
Ermínia Maricato - Espaço democrático na cidade desigual: isso é possível?
Embora já tida como a mais nobre via de São Paulo, a Avenida Paulista viveu uma série de mudanças relacionadas ao crescimento da cidade e à transformação da sociedade brasileira. O arquiteto Flávio Villaça relaciona a decadência e o deslocamento do “centro” da cidade de São Paulo ao seu abandono pela elite social, que deixa de fazer suas compras ali ou usar os seus serviços. À popularização desses espaços, que será relacionada à existência do transporte de massa, correspondem seu abandono pela elite e sua desvalorização imobiliária. A Avenida Paulista se tornou um ícone da metrópole paulista ao suceder a centralidade decadente da Sé-Anhangabaú, mas vive a tensão de ser superada pela nova centralidade que a elite social e o mercado imobiliário constroem na região sudoeste da cidade (Berrini, Água Espraiada). Ela vive os conflitos e as agruras da própria sociedade brasileira, não apenas nas manifestações polarizadas que ali têm lugar entre a esquerda e a direita, mas também se mantém ou não como espaço metropolitano da “festa democrática”.
Regina Facchini e Isadora Lins França - Parada do Orgulho LGBT de São Paulo: somos muitxs, estamos em todos os lugares!
A primeira Parada do Orgulho LGBT em São Paulo ocupou as ruas com o lema “Somos muitos, estamos em todos os lugares!”. A frase definia bem o espírito inovador da estratégia das paradas para o movimento LGBT, caracterizada pela ocupação massiva do espaço público. Tomar o espaço da cidade dando visibilidade à diversidade sustentada pela multidão de corpos nas mais diferentes expressões de gênero e sexualidade tem funcionado desde então como um meio de reivindicar reconhecimento e combater o preconceito e a discriminação. Em seus vinte anos de realização, a Parada de São Paulo passou por inúmeras transformações, das estratégias de realização ao perfil do público. Permanece, contudo, o espírito de tomar a avenida demarcando o espaço público como o lugar da possibilidade da diferença e da coexistência.
16h-17h30
Mario Ramiro - A mudança da ordem habitual das coisas
Cenário de fatos marcantes na história da cidade, a Avenida Paulista é também palco de ações, intervenções e performances de grupos e artistas que fizeram dela um lugar da arte experimental das últimas décadas. Um desses grupos, 3NÓS3 (1979-1982), foi formado por Mario Ramiro, Hudinilson Júnior e Rafael França e se notabilizou por realizar interversões nas ruas de São Paulo com o intuito de alterar as percepções sobre a paisagem e a normalidade cotidiana da cidade.
Cristiano Mascaro - Caminhadas fotográficas na Avenida Paulista
Ao longo dos últimos anos, Cristiano Mascaro fotografou a Avenida Paulista nas mais diversas ocasiões e situações. Sua lembrança mais remota é da década de 1970, quando fotografou uma buraqueira enorme que deveria tornar-se uma via expressa sobre a linha do metrô que nunca deu certo. Em outras ocasiões, vieram algumas encomendas profissionais e a Casa das Rosas, o MASP, a Parada Gay, o Mercado Mundo Mix, que acontecia em um palacete remanescente, e o ensaio encomendado pela Folha de S.Paulo para comemorar o centenário do asfaltamento da avenida.