Santarosa Barreto parte de referências da literatura, do cinema e da história da arte para evidenciar lugares ainda dicotômicos e frágeis atribuídos as mulheres e ao feminino nestas narrativas. No letreiro em neon rosa, intitulado Brazil, lê‑se uma frase em inglês frequentemente dirigida as mulheres brasileiras como uma espécie de flerte por parte de homens estrangeiros: Are you Brazilian? Oh I love Brazilian Women [Você é brasileira? Ah, eu amo mulher brasileira]. Este trabalho faz uma alusão a erotização desses corpos no imaginário internacional masculino, algo que possui raízes coloniais, uma vez que o corpo do “outro” e colocado como um território a ser usado, explorado, conquistado e dominado. Nesta obra, a artista evidencia o cruzamento entre gênero e estereótipos relacionados a história nacional, que se mantém ainda hoje, haja vista a busca pelo Brasil como um destino para o turismo sexual.
O cartaz A luta apresenta uma sequência de frases na forma de um fluxo de pensamento sobre as diversas formas de silenciamento vividas por mulheres nas militâncias. O texto se inicia com uma afirmação — Lute a luta como você acha que deve lutar — e aos poucos desdobra‑se em diferentes frases que, de forma exaustiva, expõem argumentos utilizados para a desqualificação das lutas feministas nestas militâncias. A ausência de virgulas no texto faz com que a leitura evoque um estado de permanente combate — essa obra foi, inicialmente, elaborada como estampa sobre couro sintético vermelho, evocando tanto a ideia de saco de pancadas do boxe quanto de bandeira. Nesse trabalho, Barreto aborda as tentativas de desqualificação das lutas feministas por certas vertentes políticas que se diziam libertárias, mas que historicamente não acolheram as demandas das mulheres por considerá‑las questões “menores”, repetindo padrões de opressão conservadores que tanto criticavam.
— Isabella Rjeille, curadora assistente, MASP, e Talita Trizoli, pós‑doutoranda, IEB‑USP, 2019
Por Isabella Rjeille
Realizar visitas guiadas nas exposições que colaborei é uma das atividades que mais gosto. É nas conversas e trocas com as pessoas que a pluralidade de narrativas de cada trabalho se mostra. Um dos trabalhos que sempre incluía em minhas visitas na exposição Histórias feministas era o cartaz A luta, de Santarosa Barreto, pois rendia boas discussões. Instalado como um lambe-lambe, o cartaz vermelho cobria uma parede inteira da galeria do 1º subsolo. Diante dessa espécie de muro, eu costumava ler para os grupos em voz alta o texto do cartaz – eu acreditava que o ritmo ofegante das palavras lidas sem interrupção ou vírgula, era uma informação relevante para a compreensão daquele trabalho. O texto é uma sucessão de diferentes tipos de argumentos frequentemente utilizados para desqualificar, desvalidar e silenciar as lutas feministas e as mulheres na militância. Em uma das visitas que fiz para o grupo de mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma das integrantes comentou que aquele texto traduzia exatamente o que ela estava tentando dizer há anos como militante. Diversos relatos de experiências vividas e histórias compartilhadas seguiram naturalmente a conversa e deram um novo norte à visita pela exposição. Alguns meses depois, nos preparativos da mostra de Senga Nengudi, leio uma frase da artista estadunidense no catálogo: “uma mulher nunca está sozinha”, e me lembro desse encontro com a mulheres do MAB.
— Isabella Rjeille, curadora, MASP, 2020