Candido Portinari (1903-1962) é um dos mais importantes e polêmicos artistas brasileiros, e sua obra mantém uma longa relação com o MASP, que possui 18 trabalhos do pintor. Portinari popular é a 12ª exposição organizada pelo Museu desde 1948, e não pretende dar conta da totalidade da obra, mas faz um recorte específico. O título da mostra é indicativo e tem múltiplos significados: a popularidade de Portinari — sua tela Retirantes (1944) é a obra de nosso acervo mais postada nas mídias sociais — e a origem, temática, iconografia e dicção populares do artista nos interessam aqui.
O foco é nas pinturas com temas, narrativas e figuras populares — trabalhadores em suas diversas atividades (lavradores de café e de outras culturas, lavadeiras, músicos, garimpeiros), personagens e tipos populares (o cangaceiro, o retirante, a baiana, a índia Carajá) e não europeus (negros, mulatos, índios). Os personagens aparecem em diferentes contextos geográficos e sociais (em Brodowski, a cidade natal do pintor no interior paulista, em paisagens empobrecidas, ou nas favelas do Rio de Janeiro) em brincadeiras ou jogos, na música, no circo, ou em festas populares, mas também na dor — na miséria, na morte. Portinari pintou centenas de retratos da elite brasileira, não incluídos aqui, com uma exceção: Mário de Andrade (1893-1945), importante interlocutor do artista, primeiro grande intérprete de sua obra, e pioneiro no estudo e na valorização da cultura popular brasileira.
A exposição reúne diferentes representações de temas populares que são recorrentes na obra de Portinari ao longo das décadas, o que confirma seu compromisso, engajamento e sua determinação com eles. Vale lembrar que o próprio artista é filho de imigrantes italianos que trabalharam na colheita do café. Assim, muitas das imagens que Portinari pinta ao longo de sua trajetória são cenas de sua própria vivência. Esse extraordinário conjunto constrói um amplo, profundo e sensível panorama da história visual brasileira, para além dos modos, gostos e ofícios das classes dominantes.
A expografia é baseada numa concepção de Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta do edifício do Museu, para Cem obras-primas de Portinari, realizada no MASP em 1970. Portinari popular inicia um programa de revisão da produção de alguns artistas do modernismo brasileiro, como Tarsila do Amaral (1886-1973) e Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), a partir de conteúdos e narrativas relacionados a elementos da cultura popular brasileira, que abarcam discussões sobre raça, realidade social e identidade cultural do país. O interesse do MASP na cultura popular não é novo, e esta exposição dialoga com a reencenação de A mão do povo brasileiro, a partir de 1o de setembro na galeria do primeiro andar do Museu.
Por que Portinari popular hoje? Ainda padecemos de uma representação precária e preconceituosa dos sujeitos e das culturas africanas, indígenas e populares na mídia, na política, na sociedade e também na arte. É preciso aprofundar a reflexão sobre essas estratégias de representação, algo que a obra do artista antecipa, daí sua urgência e relevância.
CURADORIA Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP; Camila Bechelany, curadora-assistente, MASP; Rodrigo Moura, curador-adjunto de arte brasileira, MASP.