Aula 1 – 1.10.2021
Introdução
É comum encontrar definições de “Renascimento” como movimento artístico-cultural e período histórico situado cronologicamente entre os séculos 15 e 16 e geograficamente na Itália, tendo o antropocentrismo e a redescoberta da Antiguidade Clássica como seus elementos fundantes. Esta definição, inventada somente no século 19, está na origem da ideia de Ocidente e da ideia de missão civilizatória que marca o gesto colonial moderno. A essas ideias acrescenta-se o encontro (ou choque) de culturas ocorrido no âmbito da expansão marítima europeia, que amplia a oposição entre civilização e barbárie, e fundamenta o cânone eurocêntrico. No primeiro encontro alunos serão introduzidos à uma perspectiva crítica da ideia de Renascimento, e irão refletir sobre os contrastes entre os fatos históricos e as narrativas que foram criadas sobre eles, além de comentar brevemente sobre as pesquisas recentes feitas nesse campo.
Aula 2 – 8.10.2021
A abóbada da Capela Sistina e a questão das origens
Os afrescos da abóbada da capela Sistina, pintados por Michelangelo entre 1508 e 1512, reescrevem a crônica da gênese do mundo, das origens da humanidade e do povoamento da Terra. Esta obra, considerada um dos pináculos do assim chamado Renascimento italiano, reativa, indiretamente, uma importante questão aberta já na carta de Américo Vespúcio intitulada Novus Mundus (1504), a saber, a especulação a respeito das origens dos povos indígenas americanos. Neste encontro, alunos irão discutir como a questão das origens reaparece como um tema que orienta o colonialismo moderno, com ecos na arte do século 19 e do século 21.
Aula 3 – 15.10.2021
O homem vitruviano e a questão da humanidade
O “homem vitruviano” é talvez o mais célebre elogio da forma humana como medida de todas as coisas, um tratado visual sobre a centralidade do homem no mundo. O desenho, realizado por Leonardo da Vinci em c. 1490, é considerado um paradigma: de um lado, do modo como os tratados antigos, sobretudo o de Vitrúvio, permanece uma fonte de “verdades absolutas” na virada do século 15 para o 16, e, de outro, do interesse humanista pela composição do corpo humano. A questão da natureza humana, no cerne dessas especulações, é profundamente reavaliada nos relatos de navegantes europeus, sobretudo na exegese do contato entre estes e a população indígena americana. Neste encontro, alunos irão estudar como a definição de humanidade que se esboça na primeira época moderna relativizou a natureza humana dos povos originários da América e justificou sua exploração.
Aula 4 – 22.10.2021
A invenção da perspectiva e a questão do espaço
Um dos marcos convencionais da origem da pintura moderna é a invenção da perspectiva, código visual que procurou organizar o mundo sob o crivo da racionalidade numérica. A perspectiva está também profundamente imbricada com o desenvolvimento dos grandes projetos arquitetônicos de teatros clássicos e, por extensão, à interpretação do mundo como teatro. Neste encontro, será estudado como a ampliação da escala do mundo ocorrida com a expansão marítima europeia desestabiliza a cosmovisão europeia, tenciona as convenções de organização espacial e cristaliza interpretações reducionistas e instrumentalizantes da natureza.
Aula 5 – 29.10.2021
Os fragmentos arqueológicos e a questão do subterrâneo
A história da arte europeia entendeu que a “redescoberta da Antiguidade Clássica” constituiu um fator determinante tanto para o que se chamou, posteriormente, de Renascimento, quanto (e por consequência deste último fenômeno) da adoção do cânone clássico. Os fragmentos escondidos sob a terra, assim como a sua descoberta, tornam-se objeto de profundo questionamento tocando aspectos fundamentais como a relação entre o homem e a agricultura, homem e a nacionalidade e a extração mineral, além de constituir um desafio para o artista visual, que trabalha por imitação da natureza, representando aquilo que vê. Neste encontro, alunos irão refletir como as especulações a respeito do subsolo determinam e são ao mesmo tempo impactadas pela ambição colonizadora de extração mineral nas Américas.
Aula 6 – 5.11.2021
A descoberta da Domus Aurea e a questão da mestiçagem
A descoberta da Domus Aurea, a Casa Dourada do Imperador Nero, impõe para a história da arte o desafio de pensar o ressurgimento dos modelos clássicos antigos não pelo viés do rigor dos modelos da estatuária, mas, ao contrário, pela dimensão onírica de pinturas chamadas “grotescas”. Marcadas por suas formas híbridas e orgânicas, abertas à fantasia das quimeras e outros seres fantásticos, as “grotescas” fornecem uma boa via de reflexão sobre a forma mestiça, isto é, o produto do encontro e da mistura de “raças” nas Américas, inclusive para pensar criticamente a forma neutra com que esse termo foi muitas vezes empregado. Neste encontro, serão discutidas as origens e as consequências formais e sociais do que poderíamos chamar de “elogio à mestiçagem”, a partir do que os elementos das “grotescas” permitem pensar.
Renato Menezes é historiador e crítico de arte. Doutorando em história e teoria da arte pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, Paris). Mestre em história pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e graduado em história da arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Co-organizador de França Antártica: ensaios interdisciplinares (Editora da Unicamp, 2020). Prepara uma tese sobre a relação entre terror e maravilha na recepção da obra de Michelangelo. É grad intern no Getty Research Institute, onde colabora com o núcleo de arte latinoamericana do departamento curatorial. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Renascimento (SBER). Suas pesquisas concentram-se no estudo da cultura visual e literária da primeira época moderna.