Carmézia Emiliano (Maloca do Japó, Normandia, Roraima, 1960) é uma artista de origem Macuxi. Na década de 1990, mudou-se para Boa Vista, quando também começou a pintar. Suas telas figuram paisagens, objetos da cultura material e o cotidiano de sua comunidade: “Minha arte é um serviço que presto à cultura do meu povo, essa é a maior de todas as felicidades”, conta a artista. Oriunda da região fronteiriça com a Venezuela e a Guiana, perto do monte Roraima, a artista reflete, com sua obra, a profusão de detalhes espelhados, intrincados e interconectados de sua observação da natureza e da vida em comunidade.
O MASP possui em seu acervo quatro obras de Emiliano, todas comissionadas diretamente à artista no contexto de diferentes projetos desde 2019. Neste sentido, a mostra celebra a relação que o museu estabelece com a sua produção e apresenta os trabalhos mais recentes da artista, parte deles nunca antes visto pelo público. Tanto a exposição como o catálogo que a acompanha pretendem ampliar a compreensão da contribuição de sua obra no cenário artístico nacional.
O projeto se insere numa sequência de exposições que o MASP vem realizando nos últimos anos em torno de artistas autodidatas que trabalharam fora do circuito da arte contemporânea tradicional e da academia, como Agostinho Batista de Freitas (1927-1997), Maria Auxiliadora (1935-1974), Conceição dos Bugres (1914-1984) e Madalena Santos Reinbolt (1919-1977).
Carmézia Emiliano: a árvore da vida é curada por Amanda Carneiro, curadora assistente, MASP.
Tarsila do Amaral (Capivari, SP, 1886-São Paulo, 1973) é uma das maiores artistas brasileiras do século 20 e figura central do modernismo. Esta é a mais ampla exposição já dedicada à artista, reunindo 92 obras a partir de novas perspectivas, leituras e contextualizações.
Com esta exposição, o MASP volta a atenção para seu entorno, compreendendo a avenida Paulista não apenas como local onde o Museu está inserido, mas também como objeto de consideração e reflexão. Trata-se de uma atenção significativa no contexto dos 70 anos do Museu (inaugurado em 1947 num edifício da rua 7 de Abril no centro de São Paulo e transferido para este edifício em 1968): a mostra representa um olhar para este local icônico da cidade, que é ao mesmo tempo cartão-postal e palco de embates e disputas de muitas ordens.
Quais são os temas que atravessam a avenida Paulista, com seus mais de 120 anos e 2.800 metros de extensão? Os contrastes econômicos e sociais, o capital financeiro e o comércio informal, o capital simbólico e as instituições culturais, as manifestações políticas e as questões de sexualidade (com uma das maiores paradas LGBT do mundo). Símbolo de São Paulo, a avenida Paulista carrega também as contradições, fricções e tensões de uma cidade rica, complexa e desigual.
A exposição é dividida em dois grandes segmentos. O primeiro segmento, na parede da esquerda e do fundo da galeria do 1o andar, inclui representações da avenida Paulista, com fotografias, documentos, pinturas, registros de ações performáticas, objetos e cartazes históricos de 38 autores, de 1891 a 2016, organizados cronologicamente. O segundo segmento é composto por 14 novos projetos comissionados para a exposição, que ocupam a entrada, o meio e o lado direito da galeria do 1o andar (André Komatsu, Cinthia Marcelle, Graziela Kunsch, Ibã Huni Kuin com Bane e Mana Huni Kuin, Lais Myrrha, Marcelo Cidade, Mauro Restiffe e Rochelle Costi com Renato Firmino), a galeria do 1o subsolo (Daniel de Paula), a sala de vídeo no 2o subsolo (Luiz Roque), o Vão Livre (Marcius Galan), e por uma intervenção na pinacoteca do 2o andar (Dora Longo Bahia), além de projetos não realizados de Ana Dias Batista e Renata Lucas reproduzidos no catálogo da exposição.
Como parte de Avenida Paulista, ocorre uma programação semanal de 13 oficinas e 8 sessões de filmes. As oficinas—propostas por companhias de teatro, coletivos, arquitetos e artistas—utilizam a avenida como palco e espaço criativo, ativando suas histórias e seus espaços de memória. As sessões de filmes—organizadas por Dora Longo Bahia com o grupo de estudos Depois do Fim da Arte—acontecem no pequeno auditório do Museu no 1o subsolo e refletem sobre o lugar do artista na cidade.
É importante pensar esta exposição como um desdobramento da vocação arquitetônica e urbanística do próprio edifício de Lina Bo Bardi (1914-1992), tendo em vista suas características fundamentais—a transparência, a permeabilidade, a abundância no uso do vidro, as plantas livres e a suspensão do volume de concreto—que permitem que o olhar e a cidade atravessem o Museu. Nesse sentido, pensar o MASP é debruçar-se sobre as questões da cidade e, sobretudo, sobre o local onde está instalado desde 1968.
UMA EXPOSIÇÃOLista de artistas
3NÓS3, Agostinho Batista de Freitas, Ana Dias Batista, André Komatsu, Antônio Moraes, autores desconhecidos, Carlos Fadon, CIA de Foto, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Cláudia Andujar, Cristiano Mascaro, Daniel de Paula, Dora Longo Bahia, Dulcinéia Aparecida Rocha, Edu Garcia, Eduardo Castanho, Enzo Ferrara, Ferreira Gullar, Graziela Kunsch, Guilherme Gaensly, Hans Gunter Flieg, Ibã Huni Kuin com Bane e Mana Huni Kuin, Ivan Grilo,Ivo Justino, Juan Pérez Agirregoikoa, Juca Martins, Jules Martin, Kleide Teixeira, Lais Myrrha, Lina Bo Bardi, Luis Carlos Santos, Luiz Hossaka, Luiz Paulo Baravelli, Luiz Roque, Marcelo Cidade, Márcia Alves, Marcius Galan, Maria Luiza Martinelli, Maurício Simonetti, Mauro Restiffe, Maximiliano Scola, Mick Carnicelli, Milton Cruz, Nair Benedicto, Nicolau Leite, Renata Lucas Roberto Winter, Rochelle Costi com Renato Firmino, Sérgio Bertoni, Sonia Guggisberg, Thomaz Farkas, Werner Haberkor e William Zadig
CURADORIA Adriano Pedrosa, diretor artístico, e Tomás Toledo, curador; com Camila Bechelany, Luiza Proença, Fernando Oliva, curadores, MASP, e Amilton Mattos, Universidade Federal do Acre
Esta exposição reúne 74 pinturas realizadas entre as décadas de 1950 e 1990, incluindo cinco telas recentemente doadas ao acervo do MASP, fazendo com que, pela primeira vez, a obra de Agostinho Batista de Freitas (1927--1997) esteja presente na coleção do Museu, corrigindo uma lacuna histórica.
Esta exposição reúne 74 pinturas realizadas entre as décadas de 1950 e 1990, incluindo cinco telas recentemente doadas ao acervo do MASP, fazendo com que, pela primeira vez, a obra de Agostinho Batista de Freitas (1927--1997) esteja presente na coleção do Museu, corrigindo uma lacuna histórica.
O foco aqui são as representações de São Paulo, assunto de que Batista de Freitas se ocupou durante toda a sua trajetória. Nesse caso não se trata apenas de uma extraordinária quantidade de pinturas sobre a cidade, algo singular para São Paulo, mas da qualidade e da variedade desses trabalhos, diversi cados e surpreendentes em suas composições, coloridos, pontos de vista e enquadramentos.
Nesta mostra a relação de Batista de Freitas com a cidade se faz presente mediante diversos agrupamentos de obras, organizados em leiras, que vão desde a representação do edifício do Museu, na avenida Paulista, até as vistas aéreas do centro de São Paulo, passando por cenas do cotidiano na Zona Norte, onde o artista vivia, e situações coletivas de diferentes naturezas, que incluem as viagens, as festas, os divertimentos e as manifestações religiosas.
Instalada na arquitetura franca e direta de Lina Bo Bardi (1914-1992), com suas transparências e aberturas para a paisagem urbana, a obra de Batista de Freitas convida a uma visão ativa sobre São Paulo, com suas complexas dinâmicas urbanas, histórias e diferenças sociais.
Agostinho Batista de Freitas, São Paulo faz parte de um importante eixo da direção artística do MASP, que pretende questionar os conceitos de arte erudita e popular, dedicando mostras a artistas autodidatas, frequentemente de origem humilde ou reclusos, operando fora dos circuitos tradicionais do sistema da arte.
Essas estratégias hoje comportam ainda a reencenação de A mão do povo brasileiro, uma das mais célebres e polêmicas exposições organizadas pelo Museu, e a realização de mostras que privilegiam a leitura de temas populares no modernismo brasileiro, como Portinari popular. A ideia é construir um museu aberto, múltiplo e plural, que seja permeável a diversas culturas.
As histórias de Batista de Freitas e do MASP se misturam. O diretor fundador do MASP, Pietro Maria Bardi (1900-1999), introduziu o trabalho do artista no circuito de arte ao realizar sua primeira individual, em 1952. Ele tinha apenas 25 anos de idade, morava no bairro do Imirim, na Zona Norte de São Paulo, pintava e mostrava suas obras nas ruas do centro de São Paulo, onde Bardi o conheceu.
Parte fundamental deste projeto é a publicação de um extenso catálogo, com reproduções de todas as obras em exibição, documentos raros e fotogra as de época, além de seis ensaios inéditos dos curadores e de críticos especialmente convidados a produzir novas re exões sobre um artista até então marginalizado pela história da arte oficial.
FERNANDO OLIVA, CURADOR, MASP
RODRIGO MOURA, CURADOR ADJUNTO DE ARTE BRASILEIRA, MASP
A arte dos pobres apavora os generais
Bruno Zevi, L’ Espresso, Roma, 14.3.1965
A mão do povo brasileiro foi a mostra temporária inaugural do MASP na avenida Paulista em 1969, apresentando um vasto panorama da rica cultura material do Brasil — cerca de mil objetos, incluindo carrancas, ex-votos, tecidos, roupas, móveis, ferramentas, utensílios, maquinários, instrumentos musicais, adornos, brinquedos, objetos religiosos, pinturas e esculturas. A mostra, concebida por Lina Bo Bardi com o diretor do museu, Pietro Maria Bardi, o cineasta Glauber Rocha e o diretor de teatro Martim Gonçalves, era um desdobramento de outras mostras organizadas pela arquiteta do MASP em São Paulo (1959), Salvador (1963) e Roma (1965), onde foi fechada por ordem do governo militar brasileiro, suscitando o artigo do arquiteto Bruno Zevi intitulado “L’arte dei poveri fa paura ai generali”.
Ao valorizar uma produção frequentemente marginalizada pelo museu e pela história da arte, o MASP, conhecido por sua coleção de obras-primas europeias, realiza um gesto radical de descolonização. Descolonizar o museu significava repensá-lo a partir de uma perspectiva de baixo para cima, apresentando a arte como trabalho. Nesse sentido, tanto uma pintura de Candido Portinari quanto uma enxada são consideradas um trabalho — uma noção que supera as distinções entre arte, artefato e artesanato.
Em sua nova fase, o MASP busca restabelecer e aprofundar sua relação com essa produção, tomando como ponto de partida a reencenação de uma de suas exposições mais icônicas. A mão do povo brasileiro se insere em um histórico de muitas outras exposições no MASP (inclusive a pioneira Arte popular pernambucana, em 1949). Aqui, ela é tomada como um objeto de estudo e um precedente exemplar da prática museológica descolonizadora. É, sobretudo, uma oportunidade para expor ao público um pouco dessa produção, para estimular a reflexão e o debate sobre seu estatuto e context no museu e na história da arte, e as contestadas noções de “arte popular” e “cultura popular”. A questão central da mostra (e possivelmente subversiva aos olhos dos generais do gosto) é: de que maneira podem ser reconstruídas, relembradas e reconfiguradas as histórias sobre a arte e a cultura no Brasil, para além dos modos, gostos e ofícios das classes dominantes?
Uma reconstrução perfeita de A mão do povo brasileiro é impossível, e optamos por seguir o espírito da curadoria original com alguns ajustes. Não encontramos uma lista de obras completa, mas listagens de colecionadores e museus, que novamente procuramos, recolhendo trabalhos similares e respeitando as tipologias de objetos. A arquitetura da exposição segue a de 1969, também com adaptações. Optamos por não atualizar a mostra—e os objetos reunidos foram feitos, até onde sabemos, antes de 1970—mas articulamos diálogos em torno do trabalho e do popular com mostras de artistas de diferentes gerações: Candido Portinari, Jonathas de Andrade, Lygia Pape e Thiago Honório. Interessa-nos aqui compreender o significado desse momento histórico e inaugural do museu, para encontrar novos rumos e reforçar a presença da mão do povo no MASP.
Além da exposição A mão do povo brasileiro 1969/2016, o MASP conta com programações relacionadas ao tema da mostra. Confira abaixo:
Filmes: A mão do povo brasileiro
MASP Oficinas A mão do povo brasileiro
No dia 1 de setembro (quinta-feira), o MASP inaugura a exposição A mão do povo brasileiro, 1969/2016, que recupera as principais ideias da mostra homônima concebida e organizada por Lina Bo Bardi para a inauguração ao público do edifício do MASP na avenida Paulista, em abril de 1969. Na ocasião, A mão do povo brasileiro exibiu cerca de mil objetos que evidenciavam a rica cultura material do Brasil, desde as regiões do sertão do nordeste até o sul do país. Na nova configuração, no entanto, não se pretende realizar uma reconstituição, tampouco uma atualização com objetos recentes, mas sim uma reencenação, com, aproximadamente, o mesmo número de objetos, datados antes de 1969 e classificados em tipologias similares às da exposição de Bo Bardi.
Com a colaboração do cineasta Glauber Rocha e do diretor de teatro Martim Gonçalves, Bo Bardi reuniu, no fim da década de 1960, uma miríade de objetos trazidos do Museu de Arte da Universidade do Ceará, do Museu do Estado da Bahia, do Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo e de colecionadores particulares. Eram carrancas, ex-votos, santos, tecidos, peças de vestuário, mobiliário, ferramentas, utensílios de cozinha, instrumentos musicais, adornos, brinquedos, figuras religiosas, bem como pinturas e esculturas, expostos em grupos afins, no 1º andar do museu.
A mão do povo brasileiro, 1969/2016 está organizada a partir das mesmas tipologias, com objetos dispostos de forma parecida, em conjuntos análogos. Das mil peças apresentadas, no entanto, apenas 55 integraram a exposição original de Bo Bardi e são novamente exibidas. Entre elas, estão: São Jorge articulado, Bom Jesus de Iguape, Senhor Morto (Cristo Articulado) e Nossa Senhora das Dores de vestir. O restante dos objetos são inéditos, entre os quais destacam-se recipientes de cerâmica, moendas, cestos de palha, joias de escrava, adereços indígenas, ferramentas de orixás, colheres de pau, bonecas de pano, prensas, cadeiras, arcas, boi de bumba-meu-boi, alambique, máscaras de carnaval, matrizes de xilogravura, colchas de retalho e santas de vestir.
A exposição apresenta ainda esculturas e pinturas de artistas autodidatas, que trabalharam à margem do circuito tradicional das artes, tais como Agnaldo dos Santos, Agostinho Batista de Freitas, Aurelino dos Santos, Cardosinho, Emídio de Souza, José Antônio da Silva, Madalena dos Santos Reinbolt, Manezinho Araújo, Mestre Vitalino, Mudinho, Rafael Borges de Oliveira e Zé Caboclo.
As peças atuais advém de diversos estados do Brasil, das seguintes instituições: Museu da Cidade de São Paulo; Museu Afro Brasil, São Paulo; Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paulo; Museu do Ingá, Rio de Janeiro; Museu do Homem do Nordeste, Recife; Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB); Centro Cultural São Paulo; Centro de Arte Popular – CEMIG, Belo Horizonte; Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE); Museu de Arte Sacra de São Paulo; Museu Castro Maya, Rio de Janeiro; Museu de Artes e Ofícios, Belo Horizonte.
Nesta nova apresentação, A mão do povo brasileiro, 1969/2016 torna-se um objeto de estudo para o museu dissecar não só as questões em jogo na concepção da mostra originária, mas também as implicações de uma prática museológica inclusiva e descolonizada, proposta por Bo Bardi na década de 1960. A mostra integrou um projeto da arquiteta que procurou inscrever arte e cultura popular no domínio do museu de arte. Bo Bardi trazia referências de duas experiências expositivas anteriores, dedicadas à cultura do Nordeste: Bahia no Ibirapuera, realizada em São Paulo, em 1959, e Nordeste, mostra inaugural do Museu de Arte Popular do Unhão, em Salvador, em 1963. No MASP, por meio do acúmulo de objetos, dispostos em uma expografia – replicada nessa nova configuração – que remetia às feiras populares do nordeste e ocupava tanto as paredes quanto o chão da galeria sobre caixas rústicas e tábuas de madeira, Bo Bardi defendia a dessacralização dos objetos de arte. Ou seja, ela entendia que objetos de arte e objetos utilitários eram igualmente frutos do trabalho do homem, ambos dignos de atenção e valor.
Assim, para inaugurar o novo prédio do MASP, Bo Bardi contrapôs pinturas e esculturas a objetos da cultura popular. Enquanto o 1º andar apresentava A mão do povo brasileiro, a pinacoteca do acervo permanente, no 2º andar, exibia a famosa coleção de arte europeia em cavaletes de vidro, por si só um projeto radical, que também permitia aproximações com obras brasileiras e latino-americanas raramente realizadas em outras instituições.
Em A mão do povo brasileiro, 1969/2016, o MASP procura, do mesmo modo, expor tais fricções, porém em um contexto atualizado. Concomitante à A mão do povo brasileiro, 1969/2016, que ocupa o 1º andar do museu, estão expostas Portinari popular, no 2º subsolo, Trabalho – Thiago Honório e Convocatória para um mobiliário brasileiro, de Jonathas de Andrade, no 1º subsolo. A primeira apresenta um novo olhar sobre a produção de Candido Portinari (1903-1962), ao propor uma revisão que se opõe a leituras que privilegiam a compreensão de sua obra desde um ponto de vista formal e sempre em comparação com a pintura modernista europeia. As outras duas acenam ao contemporâneo, com projetos que também incorporam objetos vernaculares e da cultura popular, como ferramentas de trabalhadores da construção civil e mobiliário, respectivamente. Além disso, todas elas apresentam novas oportunidades para o museu explorar outras concepções da história da arte, oferecendo narrativas múltiplas, diversas e plurais, resistentes aos discursos hegemônicos de tradições histórico-artísticos dominantes e eurocêntricos.
A mão do povo brasileiro, 1969/2016 pode ser vista no MASP de 2.9.2016 a 29.1.2017. A exposição tem curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP; Julieta González, curadora adjunta de arte moderna e contemporânea do MASP; e Tomás Toledo, curador do MASP.
MOSTRA DE FILMES
Em parceria com a Cinemateca Brasileira, o MASP organiza uma mostra de filmes a fim de contextualizar a exposição na complexa paisagem cultural dos anos 1960, e suas revoltas sociais e políticas. São títulos produzidos sobretudo entre as décadas de 1950 e 1970, que aprofundam reflexões propostas em A mão do povo brasileiro, 1969/2016, tais como cultura e saber populares, religião, trabalho e identidade nacional. As exibições acontecem em dois espaços: no 2º subsolo, em uma nova sala de vídeo, e no pequeno auditório do museu.
Na sala do 2º subsolo, é exibida, durante todo o período da exposição, uma seleção mais enxuta de curtas-metragens -- oito no total -- de Lygia Pape, Leon Hirszman, Humberto Mauro, Thomas Farkas, Paulo Gil Soares, Sérgio Muniz e Geraldo Sarno. As sessões no pequeno auditório são gratuitas e acontecem de 17 de setembro a 27 de novembro. A programação, mais extensa, apresenta mais de 60 curtas e longas-metragens, aos sábados e domingos, às 16h.
CATÁLOGO
À ocasião da exposição, o MASP publica o catálogo A mão do povo brasileiro, 1969/2016, com fotos históricas, documentos, reedições de textos de Lina Bo e Pietro Maria Bardi, além de fotos atualizadas da nova montagem. O catálogo contará com textos dos curadores e ensaios especialmente encomendados para a publicação, escritos por Antonio Risério, Ticio Escobar, Durval Muniz, Silvana Rubino, Ricardo Gomes Lima e Guacira Waldeck. O lançamento está previsto para o final de outubro de 2016.
A volta dos radicais cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi à exposição do acervo apresenta uma seleção de obras provenientes de diversas coleções do museu, abrangendo um arco temporal que vai do século 4 a.C. a 2008. Os cavaletes tiveram sua estreia na abertura da atual sede do museu em 1968 e foram removidos em 1996.
O retorno dos cavaletes não é um gesto nostálgico ou fetichista em relação a uma expografia icônica, mas deve ser compreendido como uma revisão do programa museológico de Lina Bo Bardi com suas contribuições espaciais e conceituais. A dimensão política de suas propostas é sugerida pela galeria aberta, transparente, fluida e permeável, que oferece múltiplas possibilidades de acesso e leitura, elimina hierarquias, roteiros predeterminados e desafia narrativas canônicas da história da arte. O gesto de retirar as pinturas da parede e colocá-las nos cavaletes aponta para a dessacralização das obras, tornando-as mais familiares ao público. Ainda, por outro lado, as legendas informativas colocadas no verso das obras possibilita um primeiro encontro com elas livre de contextualizações da história da arte. Nesse sentido, a experiência do museu torna-se mais humanizada, plural e democrática.
Na configuração original da exposição com cavaletes Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi organizaram as obras por escolas e regiões. Agora, elas serão posicionadas rigorosamente em ordem cronológica, dispostas em uma rota sinuosa, como numa resistência elétrica. Essa organização não coincide com a cronologia da história da arte, com suas escolas e seus movimentos, nem obriga o público a seguir seu percurso. A transparência espacial da planta livre e dos cavaletes convida os visitantes a construir seus próprios caminhos, permitindo justaposições inesperadas e diálogos entre arte asiática, africana, brasileira e europeia. Acervo em transformação é uma exposição semipermanente da coleção, pois continuará aberta a frequentes mudanças, ajustes e modificações, já planejadas para o início de 2016. Assim, a exposição evita a ossificação e a sedimentação típicas de mostras de coleções permanentes em museus.
A exposição tem um foco na arte figurativa, o que reflete a história da coleção e os interesses de Lina e Pietro, que resistiram à hegemonia predominante da tradição abstrata no Brasil nas décadas de 1940 e 1950. Ambos preocupavam-se com os efeitos despolitizadores da abstração, durante a promoção da abstração geométrica realizada pelos Estados Unidos em sua “política de boa vizinhança” durante a Guerra Fria. A exposição inclui também obras de artistas frequentemente excluídos do cânone brasileiro da história da arte — como Agostinho Batista de Freitas, Djanira da Motta e Silva, José Antônio da Silva e Maria Auxiliadora da Silva —, evidenciando o compromisso do MASP com a diversidade e a multiplicidade. O último trabalho do século 21 na mostra, Tempo suspenso de um estado provisório (2008), de Marcelo Cidade, transforma o cavalete de cristal em um objeto de reflexão institucional. Sua presença também sinaliza o desejo do museu de retomar o diálogo com a arte contemporânea em nossa pinacoteca.
ARTE DO BRASIL NO SÉCULO 20
Arte do Brasil no século 20 apresenta uma seleção de obras da coleção do MASP, em diálogo inédito com documentos do arquivo histórico e fotográfico do museu. O recorte não pretende construir uma história abrangente da arte do século 20. Ao contrário, o conjunto é fragmentado, e, se há uma história que ele revela, é a do próprio museu e de seu acervo. Ao lado das obras, são expostos documentos referentes a elas, como correspondências, fotografias, folhetos, catálogos e textos diversos. Ao trazê-los a público, é possível conectar cada trabalho com os contextos sociais e políticos em que foram produzidos, exibidos e adquiridos. Nesse sentido, tanto Arte do Brasil no século 20 como a exposição que a complementa, Arte do Brasil até 1900, no segundo subsolo, são uma oportunidade para compreender o acervo de arte brasileira do MASP – seu passado e suas possibilidades futuras.
As obras estão ordenadas cronologicamente por sua datação, com agrupamentos de trabalhos do mesmo autor. Com isso, abandona-se a perspectiva tradicional da história da arte, com seus movimentos, gerações e períodos, sua ideia de progresso e linearidade.
O acervo do MASP revela o grande ímpeto dos primeiros dez anos de aquisições (1947-57), que resultou num extraordinário conjunto de obras de pintores modernistas, como Anita Malfatti, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Lasar Segall e Vicente do Rego Monteiro. Já nas décadas seguintes, o museu passa a fazer aquisições mais pontuais.
Há uma forte presença da arte figurativa, em oposição ao abstracionismo. Nas décadas de 1940 e 1950, a abstração era promovida pelo empresário norte-americano Nelson Rockefeller (1908-1979) e pelo Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York no contexto da “política de boa vizinhança” dos Estados Unidos com o Brasil. O foco na figuração é reflexo do próprio interesse de Pietro Maria Bardi (1900-1999), diretor do MASP desde sua fundação até 1990. Por trás desse interesse estava uma suspeita de que, numa abordagem mais formalista, a arte abstrata resultaria numa despolitização da arte.
Ao longo dos anos, o MASP expôs e adquiriu obras de artistas visionários e autodidatas que operavam fora do circuito ortodoxo da arte moderna e contemporânea e da Academia, algo que interessava particularmente Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta responsável pelo projeto do MASP. Esse é o caso de Agostinho Batista de Freitas, José Antônio da Silva, Hélio Mello, Maria Auxiliadora e Rafael Borjes de Oliveira. São artistas que retrataram histórias, paisagens, costumes e culturas do povo brasileiro, muitas vezes marginalizados pela elite e burguesia locais.
A partir de 1991, com a criação da Coleção Pirelli MASP de Fotografia, o museu consegue acompanhar a produção de fotografia no Brasil, trazendo para o acervo mais de 1200 obras. Aqui é apresentada uma pequena seleção, com obras de Arthur Omar, Cláudia Andujar, George Leary Love, Geraldo de Barros, German Lorca, Marcel Gautherot e Thomas Farkas.
A expografia de Arte do Brasil no século 20, com painéis suspensos, é inspirada no projeto da antiga sede do MASP de Lina Bo Bardi, na rua 7 de Abril, na década de 1950. Ela antecipa o retorno da radical expografia dos cavaletes de vidro de Bo Bardi, inaugurada em 1968 no MASP da avenida Paulista. A retomada dos cavaletes na coleção permanente do museu está prevista para o segundo semestre deste ano. Como suportes transparentes no lugar de paredes, eles criam um espaço único no qual convivem diferentes obras, artistas, estilos e escolas, além do próprio visitante, rompendo com uma narrativa convencional da arte e permitindo que novas histórias venham à tona.
Esta exposição é complementada por Arte do Brasil até 1900, apresentada no segundo subsolo do MASP.
Curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico, Fernando Oliva, curador assistente, e Luiza Proença, curadora assistente.
Para a edição do dia 3 de outubro será proposta uma conversa sobre duas pinturas, uma de Agostinho Batista de Freitas, Circo Piolin no vão do MASP, de 1972, e outra de Lucia Laguna, Paisagem n. 114 (MASP), 2018.
Ponto de encontro: na entrada do Acervo em Transformação, 2º piso, às 16 horas.
Retire seu ingresso no site para garantir a entrada no Museu.
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Créditos da imagem
Lucia Laguna, Paisagem n. 114 (MASP), 2018. Doação da artista, 2018. Foto: MASP
Para a edição do dia 3 de setembro, propomos uma conversa sobre as obras Circo Piolin no vão do MASP, 1972, de Agostinho Batista de Freitas, e Aprendendo, 2020, de Carmézia Emiliano.
Ponto de encontro: na entrada do Acervo em Transformação, 2º piso, às 16 horas.
Retire seu ingresso no site para garantir a entrada no Museu.
Crédito da imagem
Agostinho Batista de Freitas, Circo Piolin no vão do MASP, 1972. Doação Marta e Paulo Kuczynski, 2016.