Esta é a maior exposição dedicada ao trabalho visual do artista, ativista, escritor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, jornalista e professor universitário Abdias Nascimento (Franca, SP, 1914 – Rio de Janeiro, 2011), uma figura fundamental na vida política e cultural brasileira recente. Além de intelectual, Nascimento foi deputado federal e senador pelo Rio de Janeiro, e um prolífico pintor. Em seus quadros figuram personagens, iconografias, insígnias e temas de religiosidades afro-brasileiras, elaborados em diálogo com a tradição da abstração geométrica e na representação dos símbolos africanos, como os adinkras.
A mostra reúne 61 pinturas realizadas ao longo de três décadas, de 1968 até 1998, o período mais frutífero da obra do artista. O neologismo no subtítulo da exposição, um artista panamefricano, remete, por um lado, ao repertório de personagens, ideias, cores e formas do pan-africanismo e, por outro, à expressão “ladino-amefricano”, cunhada pela antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994) para se referir às culturas negras da América Latina. A exposição apresenta um panorama amplo e representativo da obra de Nascimento, e é dividida em sete núcleos com base em noções formuladas por ele em seus quadros e textos: Teogonia afro-brasileira, Quilombismo, Deuses vivos, Germinal, Sankofa, Axé da esperança e Axé de sangue.
O artista pintou sua primeira tela no Rio de Janeiro, em 1968, quando foi decretado o Ato Institucional n. 5, no auge da ditadura civil-militar brasileira. Nesse mesmo ano, diante do acirramento da perseguição e da censura a produções artísticas engajadas politicamente, Nascimento se autoexilou nos Estados Unidos. A essa altura, ele já era um nome conhecido no Brasil, tendo participado da formação da Frente Negra Brasileira (FNB), a mais importante organização do movimento negro na primeira metade do século 20, e da fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN), uma radical experiência de dramaturgia no país, nos anos 1940. No campo das artes visuais, em 1955, Nascimento coorganizou o famoso concurso Cristo de cor, para a representação em pintura de um Jesus negro, além de criar o Museu de Arte Negra (MAN), na década de 1950. No Brasil, seu excepcional trabalho artístico ainda merece maior atenção, e essa é a justificativa deste projeto.
Em 2018, o MASP recebeu a icônica pintura do artista, Okê Oxóssi, doada pelo Ipeafro, no contexto da exposição Histórias afro-atlânticas, realizada no mesmo ano. A pintura mescla a imagem da bandeira do Brasil com a saudação ao orixá Oxóssi e é o ponto de partida dessa mostra, tornando-se assim um emblema para se repensar o significado de ser cidadão em um país racialmente tão desigual.
A mostra de Abdias Nascimento integra o biênio de programação do MASP dedicado às Histórias brasileiras, em 2021-22, coincidindo com o bicentenário da Independência em 2022. Neste ano, o ciclo inclui mostras de Alfredo Volpi (1896-1988), Luiz Zerbini, Dalton Paula, Joseca Yanomami, Madalena dos Santos Reinbolt (1919-1977), Judith Lauand e Cinthia Marcelle, além de uma grande coletiva, Histórias brasileiras.
Abdias Nascimento: um artista panamefricano é curada por Amanda Carneiro, curadora assistente e Tomás Toledo, curador-chefe, MASP.